Gafanhotos-do-deserto expõem os extremos da crise climática na África
A palavra “extremo” permite resumir o quadro complexo e caótico que países da África Oriental estão vivenciando desde dezembro do ano passado e que se agrava atualmente. Nuvens gigantescas com gafanhotos-do-deserto estão causando destruição. São bilhões de insetos que devastam plantações e pastos, alimentação de milhares de pessoas. Nada fica de pé. Este fenômeno, que ocorre, há séculos, ganhou proporções nunca antes vistas, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). A ocorrência de ciclones na Península Arábica e chuvas intensas, que têm se intensificado nos últimos três anos, possibilitaram a proliferação dos insetos. As mudanças climáticas expõem mais uma faceta nesta região já tão vulnerável no planeta do enfrentamento à praga migratória mais destrutiva do mundo.
Paquistão e Somália chegaram a declarar estado de emergência, agora, em fevereiro de 2020. Etiópia, Quênia, Djibuti e Eritreia já sofrem com a invasão. O risco também atinge Iêmen, Arábia Saudita, Omã, Sudão e Sudão do Sul e Uganda, e pode se propagar a outros países. A gravidade das consequências gerou alerta por parte da FAO, braço da área de alimentação e segurança alimentar da ONU. Mais de 11 milhões de pessoas, que vivem nesta região, já sofrem com a insegurança alimentar. Os processos migratórios são mais um fator que pesa neste processo de vulnerabilidade, somados às crises políticas e econômicas que afligem boa parte destas nações.
No intervalo de um dia, os gafanhotos podem atingir uma área de 150 km e uma nuvem de 1 km2 destes insetos, pode ter 80 mil exemplares e consumir alimentos correspondentes a 35 mil pessoas. Faça a conta da multiplicação da devastação…A situação é mais caótica, pois atinge populações que têm principalmente cultivos de subsistência e já sofrem com a insegurança alimentar.
Mark Lowcock, chefe humanitário da ONU, expôs a urgência de se arrecadar fundos, na ordem de US$ 76 milhões (já conseguiram US$ 20 mi), para combater a praga e evitar o risco de fome das populações, que já sofrem com este problema por causa das secas. Ele alerta que um terço dos 30 milhões de vítimas de insegurança alimentar pode ter a situação mais comprometida no extremo leste africano. Para se ter noção, uma nuvem com 200 bilhões de insetos pode consumir mesma quantidade de alimentos que 84 milhões de pessoas em um dia no Quênia.
A média de vida do gafanhoto é de cinco meses e com o risco de chuvas, que facilitam sua proliferação, o número de exemplares pode crescer em 500 vezes, de acordo com a FAO. Para complicar o quadro, que já é desolador, a técnica utilizada atualmente ainda é com pesticidas. Métodos de biocontrole ainda estão em estudo.
O comprometimento na economia destes países é de grande vulto. Para se ter ideia, houve o prejuízo de US$ 2,5 bilhões em perdas de colheitas, quando houve outra invasão de gafanhotos no norte africano, entre 2003 e 2005.
Em qualquer cenário diante desta invasão de gafanhotos-do-deserto, a resiliência humana de povos africanos mais uma vez é colocada em xeque. Um preço muito alto a ser pago pelo descompasso da humanidade acelerado por um modelo de desenvolvimento fóssil.
*Sucena Shkrada Resk – jornalista, formada há 28 anos, pela PUC-SP, com especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo – jornalista Sucena Shkrada Resk (https://www.cidadaosdomundo.webnode.com), desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e sustentabilidade.
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