É possível recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030
Elton Alisson | Agência FAPESP
O Brasil perdeu 71 milhões de hectares de vegetação nativa nos últimos 30 anos – área maior que a ocupada pela Amazônia – em decorrência de desmatamento e queimadas, entre outros fatores, apontam dados do MapBiomas. Como esse desmatamento ocorreu sem planejamento ambiental e agrícola, boa parte dessas áreas tornaram-se abandonadas, mal utilizadas ou entraram em processo de erosão, ficando impróprias para produção de alimentos ou qualquer outra atividade econômica.
A restauração florestal pode diminuir parte desse prejuízo ao possibilitar a recuperação estratégica de 12 milhões de hectares de vegetação nativa em todo o país até 2030, conforme estabelecido no Plano Nacional de Restauração Ecológica. Dessa forma, seria possível sequestrar 1,39 megatonelada (Mt) de dióxido de carbono (CO2) da atmosfera, interligar fragmentos naturais na paisagem e ainda aumentar em 200% a conservação da biodiversidade.
As estimativas constam no sumário para tomadores de decisão do relatório temático “Restauração de Paisagens e Ecossistemas”, lançado na última sexta-feira (23/08), no Museu do Meio Ambiente do Instituto de Pesquisas Jardim Botânico, no Rio de Janeiro.
O documento é resultado de uma parceria entre a Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês), apoiada pelo programa BIOTA-FAPESP, e o Instituto Internacional de Sustentabilidade (ISS), e foi elaborado por um grupo de 45 pesquisadores, de 25 instituições do país.
“O sumário mostra que as questões ambientais [conservação e restauração ecológica] e a produção agrícola são interdependentes e podem caminhar juntas, sem prejuízo para nenhum dos lados. Pelo contrário, ela só traz benefícios diretos, como a disponibilização de polinizadores para as culturas agrícolas, a conservação da água e do solo e, principalmente, a possibilidade de certificação ambiental da produção, permitindo agregar valor”, disse à Agência FAPESP Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) e um dos autores do documento.
O sumário destaca que o Brasil tem grandes oportunidades para impulsionar a restauração e a recuperação da vegetação e, com isso, aumentar a geração de benefícios socioeconômicos e ambientais, minimizar a competição de florestas com áreas agrícolas e contribuir para combater as mudanças climáticas.
No entanto, para que as oportunidades se tornem realidade, o país não pode retroceder em suas políticas ambientais de redução do desmatamento, conservação da biodiversidade e impulsionamento da recuperação e da restauração da vegetação nativa em larga escala, ponderam os autores.
O fim da obrigatoriedade da Reserva Legal, as reduções das alternativas de conversão de multas e a extinção dos fóruns de colaboração e coordenação entre atores governamentais e da sociedade seriam perdas irreparáveis para uma política de adequação ambiental, afirmam.
Os autores também ponderam que Brasil tem assumido o papel de líder em negociações ambientais internacionais e qualquer ruptura desse caminho, além de afastar oportunidades, vai afugentar mercados internacionais consumidores de produtos agrícolas. Isso porque, cada vez mais, esses agentes se pautam pela produção e pelo consumo sustentáveis, incluindo políticas de não consumo de produtos provenientes de áreas desmatadas.
“O Brasil não deveria ter nenhuma dificuldade de colocar seus produtos agrícolas no mercado internacional, pois o diferencial poderia ser uma agricultura sustentável praticada em ambientes de elevada diversidade natural. Isso é um ativo que nenhum outro país tem”, avaliou Rodrigues.
Aumento de produtividade
De acordo com o documento, a intensificação sustentável da pecuária brasileira é um processo-chave para aumentar a produtividade do setor e liberar as áreas agrícolas de menor produtividade para o cumprimento de leis e metas ambientais.
O aumento da produtividade média da pecuária brasileira de 4,4 para 9 arrobas por hectare por ano permitiria não só a atingir a meta brasileira de recuperar 12 milhões de hectares de vegetação nativa até 2030, como também zerar o desmatamento ilegal e liberar 30 milhões de hectares para a agricultura.
“Três quartos da área agrícola brasileira são ocupados hoje pela pecuária, com baixíssima produtividade média. Se tivéssemos uma boa política agrícola, voltada à tecnificação da pecuária, seria possível aumentar a produtividade da atividade e, assim, liberar pelo menos 32 milhões de hectares de pastagem para outras culturas, mantendo a mesma quantidade de cabeças de gado atual”, disse Rodrigues.
O aumento da produtividade das pastagens nos próximos 30 anos seria suficiente, considerando o Brasil como um todo, para garantir o cumprimento de leis e metas ambientais, como pode ser confirmado nos resultados regionais, afirmam os pesquisadores.
Na Amazônia, por exemplo, para atender a todas as metas de produção agrícola e florestal, de desmatamento ilegal zero e de recuperação da vegetação nativa – visando legalizar ambientalmente as propriedades rurais e ainda potencializar os serviços ecossistêmicos –, seria preciso ampliar a produtividade das pastagens do nível atual de 46% para 63-75% do seu potencial sustentável, em 15 anos.
Na Mata Atlântica, esse mesmo processo necessita de um aumento dos atuais 24% para 30-34% do seu potencial, sendo que tal incremento é possível apenas aplicando o conhecimento básico de manejo de pastagens. No Cerrado, bastaria sair dos 35% vigentes para 65% do seu potencial sustentável até 2050 para harmonizar expansão agrícola sustentável, restauração em áreas prioritárias e desmatamento ilegal zero
“Não há nenhuma justificativa para o desmatamento que está acontecendo na Amazônia e no Cerrado agora, porque estamos gerando ainda mais pecuária de baixa produtividade”, afirmou Rodrigues.
Segundo o documento, o aumento da produtividade nas áreas já agrícolas e a adoção de modelos econômicos alternativos nas áreas com menor potencial agrícola – como aquelas com restrições à produção mecanizada, as ocupadas por vegetação nativa, florestas nativas com aproveitamento econômico sustentável e sistemas agroflorestais biodiversos – também são essenciais para alavancar os benefícios financeiros diretos e indiretos em curto prazo.
Somando a exploração econômica das áreas marginais restauradas com fins comerciais, como sistemas agroflorestais biodiversos, e o ganho proporcionado pelo uso destas áreas para compensação de Reserva Legal de propriedades rurais com débito ambiental, torna-se financeiramente viável a reconversão de áreas agrícolas marginais para vegetação nativa.
Em Paragominas, no Pará, em apenas quatro anos, propriedades de pecuária irregulares ambientalmente e de baixa produtividade regularizaram suas exigências ambientais legais e aumentaram a produtividade da agropecuária em quatro vezes e ainda passaram a explorar a Reserva Legal de forma sustentável, plantando madeira e frutíferas nativas, diversificando a produção, exemplifica o sumário.
“Há vários outros exemplos de projetos de pecuária sustentável no país, em que são tecnificadas as melhores áreas para a pastagem e as áreas marginais, que são as Áreas de Preservação Permanente [APPs] para proteção da água, do solo e da biodiversidade. As áreas agrícolas de menor aptidão agrícola, que cabem no conceito de reserva legal, são ocupadas com florestas econômicas biodiversas, para a recuperação ambiental e produtiva da propriedade”, disse Rodrigues.
Restauração planejada
De acordo com Carlos Joly, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), membro da coordenação da BPBES e do BIOTA-FAPESP, o Brasil tem a oportunidade de desenvolver um programa de recuperação da vegetação nativa ímpar no mundo para áreas florestadas da Mata Atlântica e Amazônia. Isso porque o país pode contar com uma grande diversidade de espécies em projetos de restauração.
“Há projetos grandes e bem-sucedidos de restauração em andamento em países como a China, mas a diversidade de espécies usadas é baixa, pois a variedade que possuem é muito menor do que a encontrada na Mata Atlântica e na Amazônia, por exemplo”, comparou.
A alta diversidade de espécies encontradas nesses biomas brasileiros permite que a restauração seja muito mais funcional, explicou Joly. “Além das vantagens comuns, como a melhoria da estabilidade do solo e o aumento na retenção de água – e, consequentemente, maior recarga de aquíferos –, um programa de restauração com alta diversidade de espécies permite incluir plantas que podem ser fontes de alimentos ou que são importantes para manutenção de polinizadores, como abelhas”, disse.
Um dos gargalos para implantar grandes projetos de restauração em biomas como a Amazônia é a disponibilidade de mudas, apontam os pesquisadores. Mas esse problema seria dirimido à medida que aumentasse a demanda, ponderam.
“Se realmente existir vontade política de implementar programas de restauração em larga escala, o mercado de produção de mudas imediatamente aqueceria, porque há conhecimento suficiente”, afirmou Joly.
“Hoje é difícil encontrar uma alta diversidade de mudas de espécies nativas para restauração porque a demanda é muito baixa. Mas ao estabelecer um programa de restauração, é possível reativar toda uma cadeia, que vai desde a coleta de sementes, passando pelo plantio até o acompanhamento das mudas no campo”, afirmou.
A restauração, se bem planejada e implementada na paisagem, pode aumentar em mais de 200% a conservação da biodiversidade, indica o sumário.
Na Mata Atlântica, por exemplo, a recuperação do débito de Reserva Legal (de 5 milhões de hectares) pode evitar até 26% de extinção de espécies (2.864 espécies de plantas e animais) e sequestrar 1 bilhão de toneladas de CO2 equivalente. A relação custo-efetividade desse cenário é oito vezes maior se comparada a um contexto sem priorização espacial, o que aumenta em 257% a extinção evitada de espécies e em 105% o sequestro de carbono, além de reduzir os custos em 57%.
A condução da regeneração natural em áreas com condições ambientais e socioeconômicas favoráveis no bioma pode reduzir em até 77% o custo de implementação da restauração nos próximos 20 anos.
“Hoje, por meio de ferramentas de modelagem, é possível avaliar o custo-benefício da restauração com diferentes funções, como para ter a maior diversidade possível de espécies de árvores ou maior eficiência em termos de custo da área e da mão de obra empregada”, disse Joly.
“Ao cruzar esses objetivos, os sistemas de modelagem permitem mapear e
selecionar áreas com maiores chances de atingir os objetivos de baixo
custo, com a maior diversidade de espécies e efetividade de restauração.
Com isso é possível aumentar a escala de restauração”, explicou.
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
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