Aripã, Batiti e Eric: três gerações de karipunas que lutam contra invasões e risco de genocídio
Entre seis meses e três anos de idade, os nascidos karipuna eram tatuados com espinhos no rosto. Os homens recebiam um desenho, e as mulheres, outro. Depois de um encontro sangrento com o branco, a população diminuiu e, recentemente, voltou a crescer. Restaram 58 karipunas, mas apenas dois deles ainda têm como primeira língua o tupi kawahib – ou kawahiba.
O G1 ouviu três gerações de karipuna e, com os relatos, conta um pouco do que é preservado e do que os indígenas têm medo. No ano passado, o Ministério Público Federal denunciou que o povo estava sob risco de genocídio. Algumas das informações foram coletadas em tupi kawahib e traduzidas pelos próprios índios.
Eles vivem no território indígena mais ameaçado por queimadas no Brasil – a TI Karipuna, em Rondônia, que tem o maior número de focos ao seu redor. Lá praticamente não havia desmatamento até 2014, mas, desde então, mais de 20 km² de floresta foram derrubados.
Mudança do território Karipuna entre 1998 e 2018 — Foto: Amanda Paes/G1
Aripã, o avô
O avô chegou a viver na época em que os índios Karipuna não tinham contato com os homens brancos. Nasceu no mato, próximo ao Rio Contra. O primeiro contato, segundo ele, foi ao sair para o “timbó” – uso de plantas que facilitam a pesca. Ele ouviu um tiro. Depois, descobriu que sua tia e outros integrantes haviam sido mortos, incluindo uma criança que teve o corpo “cortado” ao meio.
A Fundação Nacional do Índio interveio e encontrou a terra indígena próxima ao Rio Jaci Paraná, homologada em 1998, para o povo Karipuna, em Rondônia. Segundo os indígenas, a região era um seringal. Aripã ainda tem o costume de caçar aos 72 anos, momento em que costuma esbarrar nos invasores.
“Para mim, o madeireiro não é problema. O pasto é que acaba com a terra”, diz.
Aripã diz que o roubo de madeira existe há mais tempo, mas que agora está acontecendo o loteamento do espaço por grileiros.
Batiti, o filho
Filho de Aripã, Batiti fala português e tupi kawahab. Vive entre a aldeia e Porto Velho. Ele nasceu no meio da floresta. A mãe saiu para caminhar mata adentro, demorou a chegar, e foi encontrada já com o bebê. Ele não tem o rosto tatuado – o responsável pelos desenhos na aldeia morreu antes. Apenas seu pai e sua tia, Katiká, preservam a pintura no rosto.
Batiti se casou duas vezes, e tem seis filhos. Por muito tempo foi cacique da terra indígena Karipuna em Rondônia. Conversa com o pai em tupi e com os filhos em português. Ajudou a reportagem do G1 a andar dentro do território e levou um pendrive com “mais de 2 mil músicas”.
“Não existe nada mais gostoso do que ouvir um ‘flashback’ na beira do rio com a gatinha”, disse enquanto o rádio do carro tocava um dos clássicos da dance music dos anos 90 na playlist um tanto quanto eclética. Curte ouvir Marília Mendonça e pagode antigo.
Batiti instalou uma antena de wi-fi na aldeia. Também foi ele que soube de uma invasão a 5 quilômetros do território. Foi caminhando pela floresta até o lugar e incendiou o acampamento. Salvou o botijão de gás do fogão que tinham instalado, e o levou nas costas todo o caminho de volta até a aldeia.
“O grileiro que vem, grila a terra, e vende pro terceiro. E aí o grileiro vem e roça, que é o serviço deles. Ele pega a terra, sabendo que é terra indígena, e vende mesmo assim para terceiro”, explica Batiti.
“Ali pra cima [parte sul do território] tem um monte de lotes. A polícia andou batendo aqui, aí eles se foram. Mas eles sempre voltam”.
Eric, neto
Filho de Batiti e neto de Aripã, não aprendeu a falar tupi e é filho de mãe branca. Em um determinado momento foi embora definitivamente da aldeia e ficou 10 anos fora. Estudou em Porto Velho. Quando soube das ameaças, voltou.
“A diferença entre nós é que eles viviam num tempo menos burocrático. Não tinha invasão”.
Hoje é presidente da Associação do Povo Karipuna e, junto com outros índios, tenta parcerias para proteger os 58 indígenas.
“A gente é pequeno, mas é mais unido. A gente sempre busca o mesmo objetivo de proteger o território”.
Por Carolina Dantas e Fábio Tito, G1 — Porto Velho
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