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Antiga técnica indígena para uso de água ajuda Peru a enfrentar seca

Antes da pandemia de Covid-19, no inverno austral, dirigi ao norte de Lima, subindo o altiplano peruano até o vilarejo de Huamantanga.

Estava acompanhado de cientistas que estudam o uso de uma técnica de 1,4 mil anos por agricultores locais para ampliar a disponibilidade de água na longa estação de seca.

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Em nosso caminho pelo estreito Vale do Rio Chillón, uma pequena faixa de plantações verdes em meio a muralhas de rochas fulvas, cruzamos o rio e começamos a subir uma estrada de terra íngreme de pista única à beira da encosta de uma montanha.

A cerca de 3.500 metros, chegamos a um platô com campos de abacates, lúpulo, batata e feijão e, finalmente, ao vilarejo, onde construções de dois andares de tijolos de barro e concreto ladeavam ruas estreitas de terra. Burros, cavalos, vacas, cães e pessoas zanzavam por ali.

A Cordilheira dos Andes é um dos seis lugares do mundo em que surgiram civilizações complexas, motivadas pela precipitação sazonal, que provou ser um catalisador para inovações hídricas repetidas vezes.

As pessoas nutriam conhecimentos profundos sobre a água e o subsolo, implementando estratégias que ainda surpreendem — e alguns ainda usam.

Hoje, os peruanos modernos estão implantando novamente esse conhecimento antigo e protegendo ecossistemas naturais, como áreas úmidas em alta altitude, para ajudar o país a se adaptar às mudanças climáticas.

O Peru está entre os países com maior insegurança hídrica do mundo. A capital Lima, onde vive um terço da população do país, se estende por uma planície desértica plana e tem apenas 13 mm de precipitação por ano.

Para sustentar a população, conta com três rios que nascem nos Andes, que se erguem atrás da cidade, atingindo 5.000 m em apenas 150 quilômetros.

Os moradores de Lima não estão sozinhos na dependência de água das montanhas. Estima-se que 1,5 bilhão de pessoas em todo o mundo podem depender da água que flui das montanhas até 2050, em comparação com 200 milhões na década de 1960.

A escassez de água no Peru está piorando como resultado da mudança climática. Como muitos testemunharam, as geleiras das montanhas derreteram e a estação das chuvas diminuiu para apenas alguns meses.

Já a companhia de água de Lima, Sedapal, só consegue abastecer os clientes 21 horas por dia — e Ivan Lucich, presidente da Superintendência Nacional de Serviços de Saneamento (Sunass), diz esperar um declínio ainda maior nos próximos anos.

Um relatório de 2019 do Banco Mundial que avaliou os riscos de seca no Peru concluiu que as estratégias atuais da capital para administrar a seca — barragens, reservatórios, armazenamento subterrâneo — serão insuficientes já em 2030.

Vários anos atrás, desesperados por segurança hídrica, os líderes do país fizeram algo radical: aprovaram uma série de leis nacionais exigindo que as concessionárias de água investissem um percentual das contas de seus clientes em “infraestrutura natural”.

Estes fundos — chamados Mecanismos de Retribuição por Serviços Ecossistêmicos (MRSE) — são destinados a intervenções hídricas baseadas na natureza, como restaurar antigos sistemas humanos que trabalham com a natureza, proteger áreas úmidas e florestas em altas altitudes ou introduzir pastoreio rotativo para proteger as pastagens.

À medida que a mudança climática provoca alterações na água em todo o mundo, as estruturas convencionais de controle hídrico estão deixando cada vez mais a desejar.

Essas intervenções humanas tendem a confinar a água e acelerar o processo, eliminando as etapas naturais quando a água fica estagnada no solo. As soluções baseadas na natureza, por outro lado, abrem espaço e tempo para essas fases lentas.

Assim como no movimento slow food (“comida lenta”), as abordagens “slow water” são feitas sob medida: trabalham com paisagens, climas e culturas locais, em vez de tentar controlá-los ou mudá-los.

Também fornecem vários outros benefícios, incluindo armazenamento de carbono e habitat para plantas e animais ameaçados.

Por essas razões, a conservação de áreas úmidas, planícies aluviais e florestas montanhosas para a gestão de recursos hídricos é um movimento que cresce em todo o mundo, inclusive entre instituições como a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial.

Mas a maioria dos projetos até agora são pequenos e desconectados, então as pessoas tendem a considerá-los como recursos secundários interessantes, em vez de uma ferramenta fundamental.

É semelhante à visão de longa data em relação à energia solar e eólica que está rapidamente se tornando ultrapassada: são boas, mas acreditava-se que não eram capazes de desempenhar um papel importante no que se refere a atender nossas demandas energéticas.

O programa nacional do Peru, no entanto, tem o potencial de demonstrar quão eficazes as soluções “slow water” podem ser, quando implementadas na escala das bacias hidrográficas.

No entanto, apesar das políticas inovadoras do país, colocá-las em prática tem sido um processo lento, em parte devido à alta rotatividade no governo — incluindo cinco presidentes em cinco anos.

Outro grande obstáculo, e que a maioria dos países enfrenta, é superar as práticas arraigadas no setor hídrico para tentar algo novo.

Em 2018, a Global Affairs Canada e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional se comprometeram a investir US$ 27,5 milhões (R$ 140 milhões) em cinco anos para ajudar o Peru a tirar do papel seu programa inovador.

Seu diretor executivo, Fernando Moimy, defende há muito tempo a ideia, primeiro no governo como ex-chefe da Sunass, depois por meio da Forest Trends.

Agora a iniciativa está ganhando força. Quarenta das 50 concessionárias de água do país estão coletando fundos MRSE — e arrecadaram mais de US$ 30 milhões.

A Sunass espera que sejam angariados pelo menos US$ 43 milhões até 2024. Esse dinheiro está sendo investido em mais de 60 projetos em todo o país.

Entre os apoiados pela Sedapal, serviço de abastecimento de água de Lima, estão projetos que fortalecem uma antiga técnica de armazenamento de água e protegem os raros bofedales, áreas úmidas de alta altitude.

Foi isso que me levou à viagem pelas montanhas peruanas ao norte de Lima, até o vilarejo de Huamantanga, junto a cientistas que estão estudando as antigas técnicas de gerenciamento de água da região.

As pessoas que vivem aqui são camponeses: membros de um coletivo agrícola. Elas usam canais de água chamados amunas — palavra em quechua que significa “reter” — para desviar o fluxo dos córregos das montanhas na estação chuvosa e direcioná-lo para bacias de infiltração naturais.

Como a água se move mais lentamente no subsolo à medida que atravessa o cascalho e o solo, ela emerge encosta abaixo dos mananciais meses depois, quando os camponeses a coletam para regar suas plantações.

Como grande parte da irrigação penetra no solo e acaba voltando aos rios que abastecem Lima, revitalizar as amunas abandonadas espalhadas pelas montanhas poderia prolongar a água na estação de seca para os moradores das cidades também. Daí o interesse da Sedapal.

Na praça principal de Huamantanga, em frente a uma igreja católica, conheci Katya Perez, pesquisadora social da ONG Condesan, que estuda como as pessoas interagem com os sistemas de água.

Por exemplo, eles realizam cerimônias de limpeza e bênção dos canais, porque sabem que a remoção anual de lodo permite que continuem funcionando bem.

As amunas ficam acima da vila, a cerca de 4.500 metros, então alugamos cavalos dos moradores e cavalgamos pela puna ensolarada, vegetação local repleta de pequenos arbustos e pés de tremoços com flores roxas.

As montanhas se acumulam uma atrás da outra em um aparente infinito, e um pássaro gigante — possivelmente um condor andino — paira sobre nós. Finalmente, avisto uma amuna.

Construída com a disposição cuidadosa de rochas, tem cerca de 60 centímetros de largura e alguns metros de profundidade, serpenteando pelos contornos sinuosos das colinas.

É julho, meados da estação de seca, e a amuna está quase sem água, tendo levado seu tesouro hídrico para uma depressão rochosa em forma de tigela, onde se infiltrou no solo.

Pouco antes do desvio para a amuna, os pesquisadores instalaram uma pequena barragem, uma placa de metal colocada verticalmente no córrego com um entalhe em forma de V.

Ferramenta clássica para monitorar a vazão da água, esta barragem cria um pequeno lago, elevando o nível da água para que passe pelo “V” mesmo quando está baixo, explicou um dos cientistas, o engenheiro hídrico Boris Ochoa-Tocachi, diretor-executivo da empresa de consultoria ambiental ATUK, com sede no Equador, e consultor da Forest Trends.

A altura da água é medida com um transdutor de pressão, um instrumento submerso no lago formado pela barragem. Quanto maior o peso no sensor, significa mais água.

Os dados coletados aqui serviram de base para um estudo sobre as amunas que fez parte da tese de Ochoa-Tocachi na universidade Imperial College, em Londres, publicada na Nature Sustainability em 2019.

Montados de volta nos cavalos, descemos parte da montanha e paramos em um manancial abastecido por amunas. Aqui, a água que estava viajando pela rocha e pelo solo brotou em um córrego borbulhante.

“Você está vendo, é realmente muita água em comparação com o fluxo que vimos na barragem”, diz Ochoa-Tocachi, com óbvia satisfação.

Uma das coisas mais marcantes sobre as amunas é que os camponeses sabem qual canal abastece qual manancial, o que significa que eles entendem o caminho que a água segue no subsolo.

Os urbanistas tendem a não levar em consideração o conhecimento dos povos rurais e indígenas, diz Ochoa-Tocachi, mas os pesquisadores foram capazes de confirmar as informações deles, classificadas como “muito precisas”, ao adicionar rastreadores aos fluxos das amunas e, na sequência, usar detectores sensíveis para monitorar o surgimento dessas moléculas nos mananciais.

Ele e os coautores do estudo analisaram modelos de como revitalizar as várias amunas abandonadas espalhadas pelo altiplano andino poderia aumentar o abastecimento de água para Lima, que já está cerca de 5% abaixo — um déficit de aproximadamente 43 milhões de metros cúbicos.

Concentrando-se apenas na maior bacia hidrográfica das três que abastecem Lima, eles calcularam um desvio de cerca de 35% dos fluxos de água para as amunas na estação chuvosa, deixando o resto no rio para nutrir a vida aquática.

Eles partiram do pressuposto que metade da água desviada também iria para o meio ambiente, nas profundezas do subsolo ou liberadas na atmosfera por meio de plantas.

Como os engenheiros que tomam decisões sobre projetos hídricos exigem dados concretos como estes para implementar projetos, esta pesquisa é fundamental para mudar a forma como gerenciamos a água. Ela traduz a eficácia dos projetos “slow water” para a língua que os engenheiros falam.

Incentivada pelas descobertas, a Sedapal planeja investir US$ 3 milhões no fortalecimento de 12 amunas acima de Huamantanga, construindo mais duas e revitalizando as pastagens vizinhas, conta Oscar Angulo, coordenador de água e saneamento para investimento em infraestrutura natural da Forest Trends.

Saindo de Lima novamente, desta vez rumo ao nordeste ao longo do Rio Rimac, acompanhei um grupo de especialistas regionais em água a uma turfeira tropical rara de alta altitude chamada bofedal, que são áreas pantanosas.

Exclusivos dos Andes, os bofedales são dominados por plantas bem adaptadas às condições tropicais de montanha de “verão todos os dias e inverno todas as noites”, prosperando sob o sol intenso, ventos fortes, um período breve de semeadura, congelamento diário e neve sazonal.

As plantas de baixo crescimento, firmes, mas esponjosas, são pontilhadas com pequenas flores em forma de estrela e entremeadas com pequenas poças de água.

As turfeiras, incluindo os bofedales, têm uma porcentagem maior de matéria orgânica do que outros solos, o que as torna excepcionalmente boas em reter água.

À medida que as geleiras que antes armazenavam água derretem, os bofedales desempenham um papel ainda mais importante na retenção de água para abastecimento na estação de seca.

Por permanecerem verdes o ano todo, os bofedales também são focos de biodiversidade, sendo frequentados por pássaros e mamíferos, incluindo veados, pumas, raposas andinas, gatos-dos-pampas, vicunhas e guanacos, ancestrais selvagens das domesticadas alpacas e lhamas.

Depois de horas dirigindo em direção às nuvens, chegamos a um ponto a cerca de 4.500 metros de altitude, onde o vale se ampliou, exibindo um lago sazonal e um bofedal. Mas algo estava terrivelmente errado.

Quadrados de solo de 1,5 metro de comprimento e 30 centímetros de profundidade haviam sido retalhados em um padrão quadriculado por caçadores de turfa para vender aos viveiros de plantas em Lima.

Mas, em março, as autoridades percorreram a longa estrada até o vilarejo local, Carampoma, para a cerimônia de lançamento do investimento de US$ 850 mil da Sedapal para restaurar a área devastada e proteger os bofedales saudáveis ​​que restaram.

O programa vai trabalhar em parceria com a comunidade para afastar a pastagem das áreas afetadas e introduzir a vigilância dos bofedales.

Para esclarecer a situação, a Forest Trends está se reunindo com autoridades e desenvolvendo um manual para as comunidades, para que a população local saiba o que fazer (como tirar fotos e obter coordenadas de GPS) e quais autoridades notificar, diz Angulo.

Para restaurar as áreas úmidas danificadas, as pessoas vão reintroduzir plantas colhidas cuidadosamente de um local próximo e garantir o fluxo de água para nutri-las.

Os cientistas não sabem quanto tempo vai demorar para restaurar a turfa, mas Angulo espera que a natureza possa começar a se recuperar por conta própria rapidamente com um pouco de ajuda.

Em todos esses projetos, os benefícios para a comunidade local são vitais, explica Angulo, então eles estão motivados a manter as práticas de gestão da terra e da água que, em última instância, beneficiam a bacia hidrográfica como um todo.

Os europeus que dependem dos Alpes e os asiáticos que contam com os Himalaias para obter água também estão perdendo suas geleiras para as mudanças climáticas e vão precisar de novas maneiras de captar água das cheias para proteger casas e negócios e armazenar água para uso posterior.

Expandir as soluções “slow water” pelas bacias hidrográficas tem uma curva de aprendizado íngreme, mas a seriedade da crise climática exige uma ação rápida.

“Não temos todas as informações que adoraríamos ter hoje para tomar as melhores decisões possíveis. Mas podemos tomar boas decisões”, diz Gammie, acrescentando que o monitoramento científico está permitindo que eles “aprendam e aprimorem à medida que avançam”.

Por G1

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