Os corredores florestais que estão salvando o mico-leão-preto
Na década de 1970, o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) aparecia na Lista Vermelha de Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) como “criticamente em perigo”. Era uma situação dramática: restavam apenas 100 deles na natureza. Mas o pequeno primata, aos poucos, tornou-se protagonista de uma história feliz – tanto que virou símbolo da conservação no estado de São Paulo.
Em 2008, o status de conservação melhorou: “em perigo” é a categoria em que o mico-leão-preto permanece até hoje. A população, estimada em cerca de 1,8 mil indivíduos, atesta a recuperação.
A espécie superou o pior graças ao Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto, criado em 1984 e liderado pela bióloga Gabriela Rezende desde 2011. A iniciativa abrange pesquisa científica, educação ambiental e restauração florestal.
Gabriela é pesquisadora do Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê) e foi um dos seis vencedores do maior prêmio da conservação ambiental do mundo em 2020, o Whitley Award, do Whitley Fund for Nature, no Reino Unido. A honraria, entregue em Londres, teve a cerimônia oficial adiada por causa da pandemia do novo coronavírus, mas os vencedores receberão antes os recursos financeiros para aplicar em seus projetos.
“Um dos méritos do prêmio é mostrar o nosso trabalho e inspirar as pessoas a se envolverem com a conservação da natureza, algo que deveria estar presente no dia a dia de todos”, diz a bióloga, que, em 2014, publicou o livro Mico-leão-preto: a história de sucesso na conservação de uma espécie ameaçada.
Endêmico do interior paulista, e resistindo em uma região de extensa atividade agrícola, o mico-leão-preto sempre teve como maior ameaça a fragmentação da floresta, que gera isolamento e declínio das populações. Por isso, a melhor estratégia dos conservacionistas é a criação de corredores que conectam trechos de Mata Atlântica no Pontal do Paranapanema.
O prêmio de 40 mil libras do Whitley Award vai ajudar na implementação desses corredores e de um plano de manejo para prevenir a consanguinidade genética dos micos que estão isolados em pequenas áreas. “Vamos movimentar animais para matas onde não estão hoje”, diz Gabriela. “Quando fornecemos mais espaço para essa população, ela tende a se reproduzir e a ocupar áreas novas.”
Um dos corredores tem mais de 20 quilômetros de extensão, com cerca de 2,5 milhões de árvores plantadas. É o maior corredor de reflorestamento do Brasil e conecta o Parque Estadual do Morro do Diabo, principal habitat do primata, ao fragmento Tucano, um dos quatros trechos de mata que ficam na Estação Ecológica Mico-Leão-Preto.
Os novos corredores, unidos aos já existentes, conectarão as populações de micos-leões-pretos em uma área de floresta contínua de cerca de 45 mil hectares. O chamado Corredor Norte já foi iniciado e deverá ligar seis fragmentos de mata ao norte do Parque Estadual do Morro do Diabo.
“Com o Corredor Norte, vamos ter todas as populações do Pontal do Paranapanema conectadas”, explica a bióloga. “Quando pudermos promover o uso de toda a área pelo animal, pode haver um aumento populacional de 30%. Estaríamos então perto do nosso objetivo: melhorar novamente o status de conservação da espécie na Lista Vermelha.”
A bióloga estima que levará de 5 a 10 anos para finalizar a restauração de todos os corredores idealizados. Depois disso, a floresta precisará ainda de 10 a 20 anos para ganhar uma estrutura funcional que sirva ao uso integral do mico-leão-preto. Daí a importância da movimentação dos animais por meio do plano de manejo, capaz de acelerar o processo com a ocupação de fragmentos agora conectados e adequados para o uso, mas ainda vazios.
O Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto teve início em 1984 com o primatólogo Claudio Padua, que se mudou para o Pontal de Paranapanema anos antes com o objetivo de pesquisar o animal. Na época, com as obras da Usina Hidrelétrica de Rosana em andamento, no Rio Paranapanema, foram resgatados animais da área que seria alagada.
O programa deu origem ao Instituto de Pesquisas Ecológicas e Padua foi o primeiro brasileiro a ser premiado com um Whitley Award, em 1999. “O sonho de todo mundo que trabalha com espécies ameaçadas é ver os animais com áreas suficientes para formar uma população viável. E fora da Lista Vermelha”, diz ele.
Padua, atual vice-presidente do Ipê, atribui o sucesso do programa à persistência: “Tudo o que eu vi dar certo até hoje é porque alguém persistiu até chegar ao êxito”. O primatólogo também considera imprescindível um maior equilíbrio na relação entre homem e natureza. “É preciso que o ser humano entenda que ele é parte da natureza. É um bom momento para a gente discutir isso.”
Padua vê a educação ambiental como um aliado importante. Quando chegou à região para começar o trabalho, ele perguntava às pessoas quais eram as coisas boas dali. A maioria respondia que lá só havia mato. Com o tempo, a resposta foi mudando. “Poucos anos depois, os moradores respondiam: eu tenho muito orgulho do que temos aqui. Isso é a nossa sobrevivência e a do resto da biodiversidade”, diz.
O programa de conservação mantém também nove viveiros, administrados pela comunidade e gerenciados pelo Ipê com seus parceiros locais – prefeituras e outras instituições. Os viveiros situam-se dentro da área de conservação do mico-leão-preto e abrangem três municípios: Teodoro Sampaio, Mirante do Paranapanema e Euclides da Cunha Paulista. Parte das mudas cultivadas é usada nos novos corredores ecológicos.
Responsável por estabelecer uma ponte entre as equipes de pesquisa e as comunidades, a educadora ambiental Maria das Graças de Souza vê os viveiros como espaços de aprendizagem coletiva: eles propiciam conhecimento, geração de renda e consciência de conservação. “Alunos das escolas locais conhecem as espécies que são florestadas e as que fazem parte da dieta alimentar da fauna em estudo”, diz ela.
A restauração vegetal das áreas degradadas beneficia não apenas o mico-leão-preto, mas também grandes felinos e mamíferos. Reconhecida por seu trabalho para a conservação da anta brasileira, Patrícia Medici, também pesquisadora do Ipê, foi contemplada esse ano com o Whitley Gold Award, principal prêmio concedido pela Whitley Fund for Nature.
Para Gabriela Rezende, é importante aproveitar o papel das espécies carismáticas para alavancar os projetos de conservação. A bióloga revela-se motivada a seguir lutando pelo mico-leão-preto. “O mico não pode fazer nada para salvar a própria espécie. E nós, seres humanos, estamos destruindo o seu ambiente”, explica. “Então, quando tive a oportunidade de ver esse animal na natureza, me senti um pouco responsável pelo futuro dele.”
Imagem de Desqtaque: Família de micos-leões-pretos nas árvores da região do Pontal do Paranapanema, único habitat da espécie no mundo. Foto: Instituto de Pesquisas Ecológicas (Ipê).
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