Brasileiras recebem maior prêmio de conservação ambiental do mundo
Em um momento tão difícil para ambientalistas no Brasil, duas cientistas brasileiras recebem o o maior prêmio da conservação ambiental do mundo e inspiram todos que trabalham e lutam pela conservação do meio ambiente.
Conhecido como Oscar Verde, o prestigiado Whitley Awards, do Whitley Fund for Nature (Reino Unido), divulgou no dia 29 de abril os seus grandes vencedores do ano. Ambas são pesquisadoras da ONG IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas
Patrícia Medici recebeu o Gold Award, principal premiação da fundação, pelo seu trabalho de décadas com a anta – a engenheira ambiental é responsável por ter criado o maior banco de dados sobre a espécie do mundo.
“Receber este prêmio é extremamente importante, particularmente pelo momento pelo qual passamos. Mais do que nunca, precisamos ressaltar a importância de manter o equilíbrio de nossos ecossistemas. A atual crise de pandemia que vivemos está intimamente conectada com a destruição de nossos ecossistemas e com a forma como lidamos com a natureza. Nunca na história vimos tantos impactos causados por nós seres humanos na natureza. Agir agora é sumamente importante para que possamos reverter os impactos das emergências climáticas e evitar futuras extinções de nossa vida selvagem. Conservacionistas como eu devem participar ativamente na definição da agenda ambiental na próxima década”, alerta Patricia.
- Foto: João Marcos Rosa | NITRO
- Foto: Leonardo Silva
Gabriela Cabral Rezende recebeu o Whitley Award, oferecido também a mais cinco conservacionistas de outros países, pelo seu trabalho de conservação do mico-leão dourado, mais uma espécie que infelizmente está ameaçada pela ação humana no planeta.
“A inspiração em pesquisadores pioneiros é a energia que me faz avançar. Enquanto conservacionista, meu sonho é salvar espécies ameaçadas de extinção. Fazer a diferença para uma espécie e seu habitat é o caminho que encontrei para deixar um planeta melhor para as gerações futuras e inspirá-las a se envolver com a conservação, seja profissionalmente ou nas ações do dia-a-dia. Com o prêmio, espero também poder motivar outras cientistas mulheres a atuar pela conservação ambiental”, conta Gabriela.
O prêmio é entregue anualmente em cerimônia oficial em Londres, pelas mãos da Princesa Real Princess Anne. Este ano a cerimônia foi foi adiada em função da pandemia, mas os vencedores receberão seus respectivos prêmios: reconhecimento por seus feitos na conservação de espécies ao redor do mundo e recursos financeiros a serem aplicados na continuidade de seus projetos.
Patrícia Medici – WHITLEY GOLD AWARD
- Foto: Liana John
O grande prêmio do Whitley Fund for Nature (WFN) – o Whitley Gold Award – foi para Patrícia Medici, coordenadora da INCAB – Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira, projeto do IPÊ, instituto do qual é cofundadora. Patrícia foi a primeira personagem do projeto Mulheres na Conservação – você pode conhecer a história desta heroína da natureza clicando aqui.
Há 24 anos liderando ações de conservação da anta brasileira e seu habitat, o trabalho de Patrícia deu origem ao maior banco de dados sobre a espécie no mundo. Suas contribuições para o estudo da espécie e para a ciência de maneira geral são inspiração para estudantes e pesquisadores de diversos países.
- Foto: João Marcos Rosa | NITRO
As ações de Patrícia reúnem pesquisa de campo, práticas de conservação, educação ambiental, comunicação, treinamento e capacitação. Soma-se a isso o desenvolvimento de planos para redução de ameaças e políticas públicas que beneficiam a espécie e seus habitats. Os resultados deste trabalho têm sido impactantes para a vida não só das antas como também de outras espécies animais e vegetais e seres humanos em vários biomas: Mata Atlântica, Pantanal, Cerrado e, agora com o prêmio, na Amazônia.
“Ao estudar e defender a causa da conservação da anta brasileira, estamos defendendo também as nossas próprias vidas, nossos recursos naturais e nossa saúde. Considerada a jardineira das florestas, a anta promove a renovação desses ambientes através da dispersão de sementes. Diversas espécies de plantas somente existem porque suas sementes passam pelo trato digestivo da anta. A anta ‘brinca’ com a composição e diversidade da floresta e é grandemente responsável pela formação e manutenção da integridade desses ambientes”, explica Patrícia.
- Foto: João Marcos Rosa | NITRO
A anta é o maior mamífero terrestre da América do Sul e é considerada um fóssil vivo que sobreviveu a diversas ondas de extinção ao longo de milhões de anos de sua história evolutiva. No entanto, a espécie enfrenta agora uma variedade de ameaças causadas pelo homem, incluindo a destruição e fragmentação do habitat devido à expansão da agricultura em larga escala, pecuária, atropelamentos em rodovias, caça, mineração, entre outras.
Apesar de ser tão importante para os ecossistemas, a anta sofre de um estigma que só existe no Brasil, o de ser considerado um animal com pouca inteligência. Para resolver este problema e levar mais informações para as pessoas, Patrícia, sua equipe e demais apoiadores da causa mantêm uma hashtag nas redes sociais: #antaÉelogio.
Para a pesquisadora, a comunicação com o grande público é fundamental para que a ciência alcance mais pessoas e para que se tenha uma maior compreensão sobre a importância da biodiversidade não só para animais silvestres, mas também para os seres humanos, que são parte dessa biodiversidade.
Patrícia cita como exemplo o trabalho da INCAB no Cerrado do Mato Grosso do Sul, que identificou o impacto causado por agrotóxicos e por os acidentes com veículos em rodovias, ameaças que têm reduzido o número de antas no bioma.
- Foto: João Marcos Rosa | NITRO
“Temos que pensar que tanto os agrotóxicos quanto os atropelamentos em rodovias têm impactos sobre a vida silvestre e também sobre nós, seres humanos. Muitas pessoas são seriamente afetadas pelo uso indevido de agrotóxicos. As nossas pesquisas mostram também que muitas pessoas perdem suas vidas em colisões com antas nas rodovias brasileiras, sobretudo pela falta de medidas de segurança que impeçam a travessia dos animais e falta de sinalização”, conta Patrícia.
“Juntamente com os Ministérios Públicos (Estadual e Federal), estamos usando nossa base de dados de pesquisa para requisitar aos governos estadual e federal a implementação de medidas eficazes para combater e mitigar essas problemáticas. É para isso que contamos com a ciência e os cientistas, para a aplicação de seus resultados na prática, para o bem de todos”, defende a engenheira florestal.
O Whitley Fund for Nature (WFN) tem apoiado o trabalho de Patrícia pelos últimos 12 anos, contribuindo enormemente para a expansão das ações da INCAB por todo o Brasil. Patrícia iniciou sua pesquisa na Mata Atlântica em 1996 e, com ajuda do fundo, ampliou os esforços para o Pantanal em 2008 e para o Cerrado em 2015.
O prêmio será utilizado para o fortalecimento do trabalho da INCAB em todo o país. Na Mata Atlântica, parte do recurso será usada para uma reavaliação da população de antas no Parque Estadual Morro do Diabo. No Pantanal, as antas continuarão sendo monitoradas por meio de telemetria e de rastreamento por armadilhas fotográficas.
- Foto: Laurie Hedges
No Cerrado, o trabalho busca estratégias para evitar que as antas sejam atropeladas em rodovias e também resolver as questões de contaminação por agrotóxicos e caça furtiva, em uma paisagem que enfrenta ameaças crescentes como o epicentro do desenvolvimento do Brasil. O novo trabalho na Amazônia se concentrará no estudo e na redução de ameaças a antas ao longo do arco sul do desmatamento nos estados de Mato Grosso e Pará.
“O trabalho de Patrícia é vital para combater o desmatamento no Brasil e proteger esta espécie incrível que é a anta. Sua dedicação à pesquisa, à educação e à capacitação são um exemplo brilhante de um trabalho eficaz. Patrícia Medici é uma voz forte da conservação no Brasil e no mundo. Temos o privilégio de poder continuar a oferecer nosso apoio a esta causa”, disse Edward Whitley, fundador da WFN.
Veja abaixo o vídeo que a Fundação Toyota do Brasil fez sobre o trabalho de Patricia Medici: https://www.facebook.com/watch/?v=227499521587717
Gabriela Cabral Rezende – WHITLEY AWARD
- Foto: Katie Garrett
A bióloga Gabriela Cabral Rezende coordena o Programa de Conservação do Mico-Leão-Preto, do IPÊ, um dos mais longevos programas de conservação do Brasil, o qual completou recentemente 35 anos. A pesquisadora e mais cinco cientistas de outras partes do mundo concorreram com mais de 100 outros inscritos e foram reconhecidos com o Whitley Award 2020, com o prêmio de 40 mil libras, cada um, valor este a ser investido em seus projetos.
Há nove anos, Gabriela herdou o programa do primatólogo Claudio Padua, cofundador do IPÊ e o primeiro brasileiro a ganhar o Whitley Award, em 1999. No extremo oeste do estado de São Paulo, a base principal do projeto é a região do Pontal do Paranapanema, que possui o maior remanescente florestal da Mata Atlântica do Interior – um dos últimos hotspots de biodiversidade global.
- Foto: Katie Garrett
- Foto: Katie Garrett
Com uma extensão de 1,3 milhões de km2, apenas 14% da Mata Atlântica ainda permanece devido à conversão de florestas em vastas plantações de cana-de-açúcar e fazendas de pecuária. Com apenas 1.800 micos-leões-pretos ainda sobrevivendo na natureza, seu habitat remanescente é altamente fragmentado, com populações pequenas, desconectadas e isoladas.
- Foto: Luis Palacios
“O mico-leão-preto só existe no estado de São Paulo. Tanto que é a espécie símbolo do estado. Temos a responsabilidade de garantir sua existência. Estou extremamente agradecida pelo prêmio, que nos ajudará a continuar um trabalho de conservação que precisa ser de longo prazo, para que possamos ver os resultados”, afirmou Gabriela.
Gabriela e equipe trabalham para proteger esses micos-leões-pretos por meio de pesquisa científica, educação ambiental e restauração florestal. Com a parceria de comunidades, o IPÊ realiza restauração de corredores florestais que conectam diferentes fragmentos florestais. A ação contribui com a capacitação e geração de renda da população: nove viveiros comunitários e plantios agroflorestais ajudam a formar os corredores. O maior deles é também o maior do Brasil, com mais de 20 quilômetros e mais de 2,5 milhões de árvores.
- Foto: Luis Palacios
- Foto: Leonardo Silva
O financiamento do Whitley Award permitirá que Gabriela e a equipe do IPÊ plantem mais corredores. O objetivo é conectar todas as populações de mico-leão-preto em uma área de floresta contínua de cerca de 45 mil hectares (45 mil campos de futebol).
- Foto: Katie Garrett
Além disso, a pesquisadora pretende transferir grupos de micos-leões-pretos para porções de florestas mais adequadas para sua sobrevivência e fazer com que estejam presentes em toda essa extensão de floresta. Isso é parte de um plano para prevenir a consanguinidade genética e garantir que esses pequenos primatas tenham os recursos necessários para sobreviver. Os esforços educacionais do IPÊ pela espécie continuarão na região.
Por Ciclovivo
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